sábado, 29 de janeiro de 2011

Coruja



"Ponho os meus olhos em você
Se você está
Dona dos meus olhos é você
Avião no ar
Dia pra esses olhos sem te ver
É como o chão do mar"

Luz dos Olhos- Cássia Eller


"Tinham um olhar dentro, de quem olha fixo e sacode a cabeça,
acenando como se numa penetração entrassem fundo demais, concordando,
refletidas. Olhavam fixo, pupilas perdidas na extensão amarelada das órbitas, e
concordavam mudas. A sabedoria humilhante de quem percebe coisas apenas
suspeitas pelos outros. Jamais saberíamos das conclusões a que chegavam,
mas oblíquos olhávamos em tomo numa desconfiança que só findava com
algum gesto ou palavra.
Nem sempre oportunos. O fato é que tínhamos medo, ou quem sabe
alguma espécie de respeito grande, de quem se vê menor frente a outros seres
mais fortes e inexplicáveis. Medo por carência de outra palavra para. melhor
definir o sentimento escorregadio na gente, de leve escapando para um canto
da consciência de onde, ressabiado, espreitaria. E enveredávamos então pelo
caminho do fácil, tentando suavizar o que não era suave. Recusando-lhes o
mistério, recusávamos o nosso próprio medo e as encarávamos rotulando-as
sem problema como "irracionais", relegando-as ao mundo bruto a que deviam
forçosamente pertencer. O mundo de dentro do qual não podiam atrever-se a
desafiar-nos com o conhecimento de algo ignorado por nós. Pois orgulhos,
não admitiríamos que vissem ou sentissem além de seus limites.
Condicionadas a seus corpos atarracados, de penas cinzentas e três garras
quase ridículas na agressividade forçada -condicionadas à sua precariedade,
elas não poderiam ter mais do que lhe seria permitido por nós, humanos."


Caio Fernando Abreu